Enel e estatais 14 de outubro de 2024 A vida na megalópole é sempre divertida, a cidade não para, a vida é intensa e todos os problemas são exagerados como se fossem o apocalipse. E o incauto leitor (e ansioso) me acusará de "ser conivente então ou não me compadecer das milhares de pessoas que estão sem energia." Bem, sempre trabalho com a premissa que as pessoas não intencionam a crueldade, o ódio ou a destruição por princípio, mas como acidente de suas próprias ignorâncias ou por negligência das consequências de seus atos. E, o caso da Enel em São Paulo, é uma mistura dos dois. Antes, um pequeno preâmbulo, a cidade passou por uma rápida tormenta cujos ventos chegaram a 100 km/h na sexta-feira, este evento naturalmente levou a quebra de árvores, destelhamento de casas e até alguns óbitos nas cidades do entorno paulistano (A essas pessoas, meus sinceros pêsames e paz ao coração de seus familiares). Dito isso, a energia elétrica, produto cuja prestação de serviço é copiosamente precária em todo país, revelou sua fragilidade outra vez em que bairros estão sem energia há mais de 48 horas. Surgem, neste momento, os milhares de engenheiros de obras prontas apontando soluções, pedindo soluções radicais e medidas enérgicas para correição dos desvios principais e da negligência da estatal italiana. Há de se considerar que empresas são formadas por pessoas as quais tomam decisões visando o melhor para seus negócios. Dentro do ambiente de regras impostas. Suponha que você faz um contrato para que um caseiro cuide de sua casa, ele é responsável pela manutenção e conservação do ambiente do entorno, incluindo sistemas de jardinagem automática, eletrificação, segurança patrimonial e tudo mais. Quaisquer desvios serão de responsabilidade dele, bem como o ônus dos reparos. Em troca, este caseiro pode sublocar parte de sua propriedade a um valor que você condiciona como justo e obrigatoriamente deve ceder 17% de todo valor arrecadado ao senhorio. Além de parcelas obrigatórias derivadas do lucro que você chamará gentilmente de Contribuições Sociais sobre o Lucro Líquido e outra parte você grosseiramente dirá que é Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, ainda cobrará encargos sobre os trabalhadores que ele vier a subcontratar. E poderá aplicar-lhes multa quando entender que alguma regra foi descumprida, inclusive quando novas regras forem criadas posteriormente à assinatura do contrato. Alguns dirão que se as regras fossem tão injustas, ninguém deveria aceitaria, mas aceitam há lucro e portanto, por mais draconiano que o contrato seja, ninguém pôs (até onde sei) uma arma na cabeça do CEO da Enel e o obrigou a distribuir energia. E, eu concordo com esse argumento, entretanto lembremos que somos o caseiro e não o senhorio neste exemplo. Sob essa miríade de restrições e regras, quais você preferencialmente cumpre? Nitidamente, o senhorio lhe impôs restrições deliberadas sob seu faturamento e também sob seu lucro, afinal o preço não é definido por você nem pelo seu cliente, e sim por um terceiro que tem interesses que variam em, ora lhe agradar, ora agradar aos clientes, ora desagradar a ambos. Como caseiro desta propriedade, você tentará sublocá-la para cobrir minimamente seus custos de continuar a operação, sem no entanto modernizá-la. Mas buscando expandi-la o máximo que puder ao menor custo possível, uma vez que todas as suas variáveis de lucratividade são controladas, a única que você tem acesso é construir mais prédios para sublocar naquele mesmo espaço. Ou seja, fazer o mínimo possível para maximizar o seu retorno. Como engenheiro, essa estrutura de acordo é propensa à precarização progressiva e irremediável de todos os bens concedidos. Não há razão para manutenir os bens sublocados, deixe-os a cargo do sublocador, e sempre alegue caixa apertado, demonstre os efeitos perversos dos que não pagam suas sublocações, distribua o prejuízo entre todos e trabalhe sempre no limite de seus custos, afinal, você não controle o preço final. Afinal, você não pode reclamar do preço final, apenas dispor que discorda dele enquanto reduz seu efetivo ao mínimo que atenderia suas normas. Mais perverso ainda é se você caseiro se torna amigo da família... Você não precisa que todos da família do senhorio gostem de você, apenas alguns e pronto, esses poucos que você concede uns benefícios discretos (que variam de jantares em restaurantes caros, até pequenos apreços) ou mesmo pagando para que bons profissionais expliquem, honestamente, como é difícil gerir uma empresa de distribuição, quero dizer, sublocação de propriedade imobiliária. Acho que meu ponto se faz claro até aqui. A companhia tem muitos incentivos para minimizar seus custos e até incentivar flexibilização de regras, pagas por meio de lobby formal (honesto e transparente eventualmente) ou por caminhos escusos caso haja a má intenção (coisa que não estou considerando até o momento). A Enel é dona de uma concessão onde não tem autonomia para modernizar sua rede, suas margens são apertadas e o governo faz da energia elétrica um caminho de populismo. Empresas nesse setor estão fadadas, desde o advento da redução de tarifa na canetada da Dilma, de implodirem com o tempo. A natureza das estatais e das concessões privadas são muito similares, percebam que em momento algum mencionei o interesse do cliente e do fornecedor do serviço, os interesses do primeiro só serão atendidos quando o intermediário (governo) perceber que precisa fazer algo para não ter sua própria esfera de atuação afetada negativamente. Por essa razão, a proposição inusitada de diversas medidas radicais. Por qual razão não se fazem essas mudanças em situações de normalidade, não é como se Enel tivesse amanhecido subdimensionada em profissionais tampouco não foi na quinta-feira anterior ao vendaval que a concessão vem sendo precarizada paulatinamente, por que o intermediário visa espoliar ao máximo a concessão. Antes que digam que não, vá você indivíduo de pleno potência negociar um contrato de fornecimento de energia com uma empresa geradora pagando apenas pela infraestrutura de concessão como fazem os grandes consumidores. Advinhe qual a reação? Não pode. Ontem (13/10/24), o Preço Líquido de Diferenças (energia no mercado spot grosso modo) era de 580 BRL por MWh, que é um valor bem alto diga-se de passagem. Na sua conta de energia, você paga em torno de 1000 MWh (ou 1 BRL por kWh). A Enel só cobra o dobro, por que há perdas técnicas (furto de energia), obrigações de expansões em áreas de interesse do governo, demandas não técnicas, gastos com lobbystas para melhorar o desempenho. Paga-se caro (surpresa) e sem direito à liberdade. Em um contrato de bilateral entre você e a geradora, a concessionária entra como ente que garante, porém com a obrigação de fornecer senão é multada pelo prejuízo de ambas as partes. Da geradora que gerou e não vendeu (custo do combustível usado na geração) e do consumidor que teve seu fornecimento interrompido fora dos padrões acertados. Hoje, esse contrato é gerenciado a nível global na cidade de são paulo e intermediado pelo governo federal, ou seja, multas serão direcionadas ao senhorio, não ao sublocatário prejudicado pela má atuação do caseiro. A concessão pública no Brasil é estruturada de forma tal que o cliente final só perde, o gestor do bem concedido vive para atender ao dono da concessão e o dono de fato interessa-se pelo cliente só de 4 em 4 anos...