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 eu escrevi isto em 2021, mas fiquei com vontade de compartilhar aqui agora:

quando eu me dei conta de que muitas das minhas dores atuais, que pareciam tão inéditas, tinham sua raiz no passado, muitas vezes lá na infância, eu comecei a me interessar por retornar lá naquela dor original e senti-la pela primeira vez. vivi processos muito interessantes, de muita abertura, fazendo isso. 

mas fiz tanto essas imersões que cada vez menos dava importância à dor que eu sentia no presente e que me permitia acessar as outras. comecei a ressentir não mais o passado, mas o presente.

eu comecei a usar a dor pra descobrir raizes. as flores, os frutos viraram só desculpa pra chegar bem perto da terra e ver o que é que nutria ou desvitalizava a árvore. eu me esqueci de ver a beleza da flor, me esqueci de cheirar seu perfume. me esqueci de comer e saborear o fruto. e por pouco não fiquei soterrada.

até que me esbarrei com um corpo vivo e que sentia dor. uma dor física simples que gerava um mar de emoções intensas. e eu não entendi aquela dor porque não alcançava a raiz. assim eu pensava.

isso me irritou profundamente porque aquela dor não era nada, não podia ser levada em conta por si só, se não tivesse profundidade. e devia ter, claro, mas a dor também era algo. ela não era só uma representação. ela estava ali. eu não ouvia a dor e por isso não acessava a raiz. eu estava amortecida buscando ver algo além.

e me doeu reconhecer que as dores doem aqui também e que elas precisam ser também vividas e não somente usadas pra acessar algo mais profundo que elas podem trazer. 

na verdade, sentir a dor agora, esta que justo está aqui, já é um acesso a tudo o que a envolve. cheirar de verdade a flor é reconhecer as raízes da árvore. sentir mesmo a dor é acessar a profundidade dela.